quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cativos e Abandonados







Há tempos escutei de um criador, aliás, um representante da classe dos criadores, que não existe nenhum animal da raça que ele cria abandonado. Palmas, para o nosso herói, que, assim como o Rei Roberto Carlos, nada entende de abandono!

Quando se fala em abandono de animais, logo vem a mente a imagem de um carro parando em um local escuro e deserto, o criminoso abrindo a porta, jogando a vítima para fora e saindo em alta velocidade antes que alguma testemunha tenha tempo de ver sua placa para poder denunciá-lo na delegacia de polícia mais próxima. No dia seguinte um cão ou gato assustado andando pela região ainda a procura do sem caráter que o largou ali.

Mas abandonar não é só jogar o animal na rua. Existem muitos animais que sofrem abandono dentro das casas de seus tutores. Não recebem tratamento veterinário, ficam procriando sem controle, não são vacinados, não tem uma plaquinha de identificação, são isolados do convívio com o grupo, não recebem carinho e atenção, não fazem exercícios físicos, são agredidos, etc, etc, etc.

As aventuras dos Grogan com o travesso Marley renderam muito dinheiro para criadores e pet shops. Labradores são muito fofos quando filhotes, mas são cães com excesso de energia. Requerem muitos exercícios físicos, como longas caminhadas ou brincadeiras na piscina. Caso contrário podem destruir tudo a sua volta. Mas na hora da venda, nem o vendedor nem o comprador pensam nisto. O importante é fazer o negócio. O vendedor sai com o dinheiro no bolso; o comprador com a mercadoria na cor e no modelo desejados. Fala para os amigo: “comprei um Marley”.

A comovente história do fiel Hachiko, um akita que passou o resto da sua vida esperado por seu tutor, também fomentou a irresponsabilidade coletiva. Mais uma vez vemos vitrines repletas de bebês akitas, que parecem ursinhos de pelúcia. Mas vendedor e comprador, não pensam que aquele “ursinho” se transformará num cão imenso, que fará um cocô também imenso, terá uma personalidade peculiar, e que, se o TUTOR não tiver as qualidades necessárias, poderá tornar-se agressivo. Nada disto importa no momento da transação.

Cães tem necessidades básicas que precisam ser atendidas. Caminhadas diárias não são frescura, são necessidade. São importantes para a saúde física e psicológica do animal. Cães descendem de lobos que andam por quilômetros com suas matilhas diariamente. Não atender esta necessidade é abandono, físico e psicológico. Mas quem tem 1 ou duas horas por dia para se dedicar às necessidades do animal?

Cães são animais sociais. Tem necessidade de convívio com seu grupo, seja ele formado por outros cães ou por humanos. Deixar um cão isolado em determinada área da casa ou deixá-lo sozinho em casa é abandono. Abandono psicológico e emocional.
Gatos gostam de um pouco de solidão, mas devotam muito amor e dedicação aos tutores, a ponto de se negarem a comer em casos de ausência prolongada deles. Requerem uma ração de qualidade, pois desenvolvem com muita facilidade problemas urinários. Não dar a eles atenção e carinhos, nem uma ração de boa marca é abandono emocional, psicológico e material.

Lá, quando estava negociando a forma de pagar o cão ou o gato do modelo e marca que queria, o comprador irresponsável não parou para refletir no compromisso que estava assumindo nem no que ele faria caso alguma coisa mudasse em sua vida. Só importava sair da loja com a mercadoria, novinha em folha. Dalí há alguns meses, toma a decisão de morar em um apartamento. Assim como o sofá não caberá na sala nova, o cão ou o gato serão DOADOS para quem queira fazer uso deles. Começa então o trabalho de “passar o animal adiante”. Crente que alguma dessas entidades “que recolhem bicho” ficará encantada em ter um maravilhoso animal de raça para juntar-se aos milhares que ela mal consegue sustentar. Daí, surpreso e ofendido, recebe um sonoro não. Ah, sim e ainda acha que a moça que lhe atendeu foi muito “agressiva”. Ele só perguntou...

Ai, começa a saga de conseguir um novo lar para o animal. Como ele já é adulto, fica mais difícil. Mas finalmente ele consegue. Alguém, já de olho no dinheiro que poderá ganhar “tirando umas crias”, aceita ficar com o cão ou gato. Aliviado, o sujeito deixa o animal na nova casa e nunca mais volta lá para saber como ele está. Ufa, foi por pouco. Quase que ele teve que cometer um crime: o de abandono. Agora ele pode se mudar para o novo apartamento com a consciência limpa.  Já está até pensando em comprar um cachorrinho, de pequeno porte,  ou um hamster para lhe fazer companhia no seu novo estilo de vida.

"Passar o animal adiante" é abandono, sim. Abandono físico, psicológico e emocional. O cão ou o gato sofrem muito com a separação. Alguns chegam, literalmente, a morrer de tristeza.

Já é tempo de nós, animais humanos, assumirmos a responsabilidade pela domesticação destas outras espécies. Já que as trouxemos para o nosso convívio, devemos dar a elas o que ELAS precisam. Devemos deixar de lado nossa postura egoísta de termos em nossas casas animais para preencherem as nossas carências e necessidades. Precisamos nós, humanos, preencher as necessidades destas criaturas que colocamos em cativeiro. Sim, eles vivem no cativeiro das nossas cidades e sob as regras da nossa cruel sociedade. Eles não estão no habitat deles, estão no nosso. E devemos protegê-los, cuidar deles, dar-lhes todas as condições de serem felizes e equilibrados.
Lembram? “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” (Antoine de Saint-Exupéry).

                                                        Sheila Wehling