Testes indicam que formulações feitas com o fungo apresentam vantagens em relação a fármacos já comercializados
Formulações farmacêuticas produzidas com substâncias do extrato purificado do cogumelo do sol poderão tornar-se recurso diferenciado no tratamento das leishmanioses. A informação vem de pesquisadores da UFMG e da cooperativa Minasfungi do Brasil que, em parceria, estão testando as novas formulações in vitro e em camundongos infectados pela doença.
“Após o tratamento por via oral, animais infectados com a espécie Leishmania amazonensis apresentaram, em vários órgãos, redução mais acentuada do número de parasitas do que quando receberam medicamentos convencionais, como a anfotericina B”, diz o professor da UFMG Eduardo Antonio Ferraz Coelho, um dos responsáveis pela pesquisa.
Foca Lisboa
Wliliam Régis, Eduardo Coelho, Diogo Valadares e Carlos Alberto Tavares:
substância não apresenta efeitos colaterais
Além da eficácia verificada nos experimentos iniciais, as substâncias demonstraram benefício adicional em relação aos fármacos disponíveis no mercado: a ausência de efeitos colaterais. “Os testes indicam que não há prejuízos para células de mamíferos”, revela o professor. O resultado já era esperado, uma vez que a formulação é extraída de fungo aprovado pelo Ministério da Saúde como complemento alimentar humano.
Como explica o professor Carlos Alberto Pereira Tavares, também autor da pesquisa, outra particularidade observada nos testes in vitro é que a medicação à base do cogumelo preserva o macrófago – a principal célula parasitada pela leishmânia no hospedeiro mamífero. “O produto consegue agir diretamente sobre os parasitas dentro da célula hospedeira, sem que ocorra a ativação dos macrófagos parasitados”, diz.
Pedido de patente para a nova formulação foi depositado em 2010 pela UFMG. Não há previsão, no entanto, para o início de sua comercialização. Atualmente, os pesquisadores estão finalizando acordos para a realização de testes clínicos em cães.
De modo geral, o tratamento das leishmanioses é feito com os chamados antimoniais pentavalentes, que causam toxicidade cardíaca, renal e hepática. “É um protocolo doloroso para o paciente”, esclarece Eduardo Coelho. As aplicações do medicamento são feitas por via endovenosa ou intramuscular. “O tratamento é longo, durante o qual tem sido constatado aumento no número de casos de recidiva (recaída). O paciente pode até apresentar cura clínica, porém, após algum tempo, volta a desenvolver a doença”, relata.
As formulações em teste na UFMG, que fazem parte de tese de doutorado de Diogo Valadares, não apresentam essa toxicidade e destinam-se ao uso oral, menos traumático para quem deve lidar com o problema. A estratégia também pode reduzir os níveis de abandono do tratamento, causa importante do aumento da resistência do parasito a fármacos em uso. O objetivo do grupo é desenvolver produtos para humanos e, sobretudo, cães, importante fonte de transmissão da doença – as estatísticas mostram que, para cada caso de infecção sistêmica entre pessoas, há dez mil ocorrências entre cães.
Causada pelo protozoário leishmânia, a doença circula principalmente na tríade inseto-cão-homem e se manifesta nas formas cutânea (tegumentar) e visceral (sistêmica). “Na leishmaniose visceral, há infiltração do parasito em diversos órgãos; eles se reproduzem e aumentam numericamente até causar falência no funcionamento desses órgãos”, explica Eduardo Coelho. O tratamento no Brasil privilegia a manifestação visceral, devido à capacidade do parasito de migrar para diversos órgãos do corpo. Casos da doença na forma cutânea estariam, assim, abarcados pelo protocolo.
Rude e silencioso
Em seu ciclo de vida, a leishmânia apresenta forma flagelada (espécie de cauda) ou não – os termos técnicos são promastigota e amastigota, respectivamente. A forma sem o flagelo se multiplica dentro das células de defesa – macrófagos do organismo animal – que funcionam como reservatórios da leishmânia. A transmissão ocorre por meio do mosquito palha, que suga o sangue do animal infectado e posteriormente transmite o parasito ao homem. No inseto, o protozoário assume a forma flagelada.
Organismo bastante rudimentar, ele obtém sucesso em sua infestação também porque atua em espécie de silêncio. “Como tem duas formas morfológicas bem distintas, postula-se que a amastigota, que vive no homem e no cão, lhe permite manter-se silencioso, exatamente para não perturbar nem ser perturbado”, observa Eduardo Coelho. Decorre daí a dificuldade em se obter o diagnóstico rápido da leishmaniose humana. “Os casos humanos são poucos, proporcionalmente, em relação a outras doenças mais comuns em nosso meio, porém mais fatais. Isso ocorre porque, quando se descobre a doença, ela já está em fase avançada, comprometendo o funcionamento de diversos órgãos do corpo”, acrescenta o professor. Os principais sintomas são febre, emagrecimento, palidez e aumento do volume do fígado e do baço.
A leishmaniose é endêmica em 88 países, de acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Distintas espécies do parasito predominam nos países afetados. Na UFMG, os testes para a formulação farmacêutica foram feitos até o momento para a L. amazonensis – considerada bastante agressiva – e a L. chagasi, principal causadora da doença no país.
Segundo dados do Ministério da Saúde, Minas Gerais ocupa o segundo lugar no ranking do número de casos no Brasil. Entre 2009 e 2010, foram 1.232 ocorrências em humanos, com 132 mortes – 41%, ou 55 delas, registradas em Belo Horizonte e Região Metropolitana.
Farmácia viva
O cogumelo do sol, antigo Agaricus blazei, atual Agaricus brasiliensis, é um fungo típico da biodiversidade brasileira. Diz a tradição que foi descoberto por uma comunidade japonesa na década de 1970, em São Paulo, que vivia na Serra da Piedade e apresentava maior longevidade e baixo índice de doenças crônico-degenerativas, em decorrência de seu consumo.
Estudos sobre seu potencial biológico foram iniciados na UFMG, em 2008, pelo então aluno de pós-doutorado do ICB Wiliam César Bento Régis, atual diretor científico da Minasfungi do Brasil, cooperativa de produtores mineiros que realiza bioprospecção para comprovar efeitos fisiológicos do fungo que comercializa.
Em convênio com a UFMG, o grupo promove a purificação de extratos, que são testados posteriormente em laboratórios da instituição. “Já obtivemos diferentes purificações e caracterizamos muitas moléculas do cogumelo do sol, mostrando que ele é uma verdadeira farmácia viva”, sintetiza Wiliam Régis. Conhecido do público brasileiro, o produto disponível comercialmente tem consumo autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apenas como alimento. A parceria com a Minasfungi levou à criação de grupo de pesquisa no CNPq destinado à investigação de princípios ativos do fungo com finalidades farmacêuticas.
Patente: Formulação leishmanicida e seu uso
Registro: 2010, pela Coordenadoria deTransferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG
Inventores: professores Eduardo Antonio Ferraz Coelho (Coltec), Carlos Alberto Tavares (ICB), Wiliam César Bento Régis (PUC e diretor da Minasfungi) e o doutorando pela UFMG Diogo Garcia Valadares
Equipe: Mariana Costa Duarte, Jamil Silvano de Oliveira, Marcellye Miranda, Marcelo Matos Santoro, Miguel Angel Chávez Fumagalli, Vivian Tamietti Martins e Lourena Emanuele Costa
Grupos de pesquisa: Bioquímica de Compostos Bioativos do Cogumelo Agaricus blazei (CNPq) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiofarmacêutica (N-BIOFAR)
Registro: 2010, pela Coordenadoria deTransferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG
Inventores: professores Eduardo Antonio Ferraz Coelho (Coltec), Carlos Alberto Tavares (ICB), Wiliam César Bento Régis (PUC e diretor da Minasfungi) e o doutorando pela UFMG Diogo Garcia Valadares
Equipe: Mariana Costa Duarte, Jamil Silvano de Oliveira, Marcellye Miranda, Marcelo Matos Santoro, Miguel Angel Chávez Fumagalli, Vivian Tamietti Martins e Lourena Emanuele Costa
Grupos de pesquisa: Bioquímica de Compostos Bioativos do Cogumelo Agaricus blazei (CNPq) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiofarmacêutica (N-BIOFAR)