terça-feira, 15 de maio de 2012

Os gatos e as árvores





Uma das minhas amigas ligou revoltada, depois de ver a foto-denúncia do Domingos Peixoto:

– Você viu o PM usando spray de pimenta contra uma cadelinha? Muita covardia! Às vezes me dá nojo pertencer ao gênero humano.

– Calma! O gênero humano, como um todo, até que tem progredido. A comoção que a foto está causando é prova. Claro que isso não impede que uns tantos humanos, individualmente, continuem agindo como trogloditas.

Foi difícil convencê-la de que a humanidade merece uma segunda chance — até porque, depois de ver as fotos do governador Sergio Cabral e de sua corja em Paris, eu mesma não estava muito convencida disso. No dia seguinte, ela me ligou novamente, bem mais animada, para conversar sobre o inquérito que vai investigar o animal.

A pena para maus-tratos a animais é muito pequena, mas o simples fato de o Ministério Público atentar para o caso é um progresso. Há um tempo que ainda está na memória de muitos de nós, maltratar bicho não dava nada, nem censura social. A consciência de que os animais têm tanto direito à vida e ao bem-estar quanto nós é recente no mundo todo e tem progredido, em parte, acredito, graças à internet, onde denúncias são rotineiras.

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Enquanto isso, no Iate Clube, o comodoro Luiz Carlos Barroso Simão mandava, por circular, uma prova de que o ser humano tem salvação: nela, informava que, baseado na Declaração universal dos direitos dos animais, e na própria constituição brasileira, o ICRJ optou por contratar um veterinário para castrar e cuidar dos gatos existentes em suas dependências. Não fazê-lo seria negar a eles as condições de vida dignas a que têm direito.

Os gatinhos do Iate, que há anos são cuidados pela protetora Marilene do Canto Telles, agora são clientes oficiais de Lelia Winkler, a mesma veterinária que, ao longo dos últimos 20 anos, tratou deles como voluntária. Lélia tem uma clínica na Rua Jardim Botânico, para onde vão os que precisam de tratamento.

Há quem argumente que clubes não são lugar para bichos. Há controvérsias. O fato é que, no Rio, ninhadas inteiras são abandonadas por pessoas que têm pena de castrar seus animais de estimação, mas não acham nada demais em se desfazer dos filhotes da forma mais irresponsável. Ignorar essa realidade é marca de administradores incompetentes; tentar eliminar os animais é marca de criminosos.

Com toda a população de gatos castrada, vacinada e bem alimentada, o Iate vira exemplo de humanidade e de civilização.

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Agora mesmo um outro clube chique da cidade, o Jockey, volta à carga contra os gatos que tiveram a infelicidade de lá serem abandonados. Essa guerra contra os felinos é longa e estranha, considerando o quanto cavalos e gatos se dão bem; mas, infelizmente, o clube não é dirigido pelos seus quadrúpedes.

A presença de gatos no Jockey nem sempre foi mal vista. Na verdade, parte dos que lá estão foram levados pelos próprios sócios, para caçar ratos na área dos cavalos. O seu infortúnio nasceu de uma conjunção de fatores adversa: a realização do Vivo Open Air e a posse de um diretor intolerante e preconceituoso, que nunca escondeu os seus verdadeiros sentimentos em relação aos gatos. O Vivo Open Air entra na história porque a sua produtora sugeriu ao Jockey a criação de um gatil temporário para abrigar os gatos durante o evento. Embora tivesse prometido entregar um espaço com a infraestrutura necessária ao seu bem-estar, tudo o que ela fez foi cercar com tela uma área úmida e sombreada. Menos mal se, de fato, os gatos tivessem passado lá apenas 20 dias; mas a direção do Jockey tornou as instalações permanentes, e passou a usá-las como depósito de animais.

Em breve o tal gatil, que por trás do nome simpático esconde um verdadeiro campo de concentração para felinos, tornou-se centro de doenças contagiosas. Gatos sadios eram misturados aos doentes, nem uns nem outros eram bem alimentados e todos morriam feito moscas. O gatil foi desativado em 2006, depois que a Sepda (Secretaria de proteção e defesa dos animais) constatou a monstruosidade que representava. Hoje, porém, a mesma secretaria, inteiramente desvirtuada e agindo contra os interesses dos animais, se aliou ao Jockey para a reabertura daquele palco de horrores. Além de desumana, a ação é ilegal: o espaço foi interditado pelo Centro de Controle de Zoonoses por absoluta insalubridade. A ONG Oito Vidas, uma das mais sérias e aguerridas na defesa dos animais, acaba de entrar com uma representação junto ao Ministério Público contra o JCB e o secretário Luiz Gonzaga Leite – que de defensor de animais não tem nada.

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Sábado agora, dez da manhã, muitos de nós que somos contra a construção de uma saída de metrô na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, estaremos lá para abraçar a praça e para mostrar o nosso apreço pelas 113 árvores lindas e antigas que uma administração burra e autoritária marcou para morrer. A necessidade dessa estação é altamente discutível; mas ainda que se chegue à conclusão de que é indispensável, há outras soluções possíveis que não envolvem o corte de tantas árvores quase centenárias. Tudo é questão de bom-senso e de sensibilidade, matérias-primas em falta no atual governo.

(O Globo, 10.5.2012)